"Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora."
Paulo Freire na visita à Escola Estadual José Rufino, Angicos, 1993
Foto: Arquivo do Instituto Paulo Freire
Paulo Freire iria retornar a Angicos em 1993, ocasião na qual recebeu o título de cidadão honorário desta cidade. Esta última visita foi documentada por Eliane Sonderman, jornalista da Fundação Roberto Marinho (extraído do texto "A voz do biógrafo brasileiro - A prática à altura do sonho" de Moacir Gadotti):
Estavam quase todos lá: ex-alunos, ex-monitores, educadores e autoridades. Dia 28 de agosto de 1993, após 30 anos de solidão imposta, Angicos recebia a visita de Paulo Freire. Na mesma sala onde todos se reuniram em 1963 com o Presidente João Goulart - para a formatura de 300 alunos alfabetizados em 40 dias por seu revolucionário método de ensino -, o mestre pôde conversar com muitos dos ex-alunos, vários já aposentados, alguns bem idosos. Durante a visita, ele declarou à cidade - que lhe concedeu o título de cidadão honorário: "Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora."Paulo Freire voltou a Angicos para um percurso sentimental pelos principais lugares onde aconteciam as aulas e reuniões do movimento de alfabetização. Estavam presentes oito dos 21 monitores de 1963 - entre os quais, o então secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, Marcos Guerra. Alguns contaram que foram presos e passaram por outras dificuldades depois da experiência de Angicos, considerada subversiva e mais tarde, cancelada.Muitos ex-alunos também deram seu testemunho, como Manuel Bezerra, hoje com 65 anos, que lembrou do dia em que o governador Aluizio Alves e dois ordenaças foram assistir a uma aula. Ou como seu Antonio, que em 1963 ficou famoso porque fez um discurso ao presidente João Goulart. Aos 81 anos, ele contou que só aprendeu a assinar o nome - não pôde continuar estudando ocupado com a agricultura. Mas disse que depois das "19 bocas de noite" com a professora Valdinece, de Natal (na época estudante de Letras, hoje professora da Escola Técnica e presente à visita do mestre), sua vida mudou: passou a fazer contas no papel e já pôde votar nas eleições posteriores. Também contaram histórias, como Severino e sua filha Neide, 36 anos, professora da escola pública que aos 6 anos foi alfabetizada junto com os pais, aos quais ajudava a estudar quando os três chegavam em casa. Neide disse que a experiência influcienciou sua escolha profissional e, aos 16 anos, já dava aula no Mobral.Numa das últimas etapas do passeio pela cidade, a Escola José Rufino, local da famosa aula de João Goulart, alguns ex-alunos quiseram saber por que a experiência não continuou. "Por que o senhor foi preso?" perguntou a Paulo Freire a ex-aluna Idália Marrocos. A verdade é que os alunos nunca tinham entendido a interrupção dos contatos com os monitores, pouco tempo depois do fim do curso. Seu Severino contou que até foi a Natal procurar sua professora, Walkíria, para perguntar o que estava acontecendo. Mas voltou para casa no mesmo dia, depois que Lea respondeu: "Não fale mais no assunto, Esqueça isso".
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