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domingo, 24 de outubro de 2010

Pico do Cabugi: um passado bem agitado


Uma paisagem marcante para quem viaja pela BR 304 é proporcionada por uma figura bem conhecida dos potiguares. Durante o dia, um espetáculo visual cortando o céu da caatinga. À noite, uma sombria silhueta que assusta nossos olhares. Uma belíssima estrutura natural, testemunha de um passado em que os humanos sequer existiam.

Foto: Canindé Soares - www.canindesoares.com

O Pico do Cabugi (a grafia correta seria Cabuji, em virtude de se usar jota, por convenção, para palavras oriundas do tupi), com cerca de 500 metros de altura acima da planície, localizado no terrítório do município de Angicos, faz parte do Parque Ecológico Estadual do Cabugi, uma área de proteção ambiental. Seu cume é um dos pontos mais altos do Rio Grande do Norte (existem pontos de maior altitude na Serra de São José e Serra do Martins, por exemplo). O nome Cabugi quer dizer "peito de moça" em tupi, nome cunhado pelos indígenas por causa do formato do monte.

O pico é considerado o único vulcão extinto do Brasil continental que preserva sua forma original.

Isto mesmo, o grande monstro que vislumbramos entre os municípios de Angicos e Lajes já foi uma grande chaminé de lava!

Modelo tridimensional do Pico do Cabugi disponível no Google Earth

A estrutura cônica mais proeminente é descrita pelos geólogos como um neck, ou pescoço vulcânico. Constituída de basalto, ela é resultado da solidificação do material que preenchia o conduto vulcânico, o qual ligava a superfície a uma camâra a mais de 60km de profundidade repleta de magma, a temperaturas superiores a 1000 graus centígrados e a pressões inimagináveis. O magma é o material pastoso super quente que, ao ser expelido de um vulcão, passa a ser chamado de lava, e dá origem a rochas após sua solidificação.

Dá até pra imaginar uma cena parecida, em menor escala, com aquelas que vemos na TV, quando ocorrem erupções em vulcões das ilhas do Pacífico.

O pico preserva bem o formato de vulcão por ser resultado de atividade de magmatismo "recente" - aproximadamente 20 milhões de anos atrás - considerada a mais jovem do Brasil. Comparada, por exemplo, à época de extinção dos dinossauros, há 66 milhões de anos, é bem recente. Mas, quando comparado ao surgimento dos primeiros hominídeos - em torno de 3 milhões de anos atrás - dá pra chamá-lo de antigo.

O período em que o vulcão esteve ativo é chamado de Miocênico. Àquela época, os continentes já apresentavam praticamente seus formatos atuais. A África, devido à deriva continental, estava bem mais próxima da América do Sul, e esta ainda não estava ligada à América do Norte por meio do Panamá. Aliás, a formação do vulcão pode ser resultado deste movimento de afastamento entre as placas da América do Sul e da África, como uma forma de reajuste interno da placa sulamericana. A flora já começava a ser parecida com a atual, com a proliferação de plantas gramíneas. A caatinga não existia como a conhecemos, um bioma com identidade. Nosso território potiguar era recoberto por uma grande floresta tropical irrigada por grandes rios, como a que hoje é identificada como Amazônia. A fauna era diferente - se tivéssemos a oportunidade de vislumbrar cenas da época, veríamos ruminantes grandes e estranhos, ou animais bem exóticos pairando pelas paisagens brasileiras, como os jacarés gigantes com 20 metros de comprimento à beira dos rios mais próximos à Amazônia, ou as assustadoras aves bípedes carnívoras de 2 metros de altura que lembrariam os raptores de Parque dos Dinossauros.

O pico devia despertar o imaginário dos primeiros humanos que chegaram ao território potiguar há alguns poucos milhares de anos. Quem sabe até tenha sido protagonista de lendas e religiões dos nossos antigos habitantes.

Quem tem a oportunidade de escalar o Pico do Cabugi e atingir seu cume é capaz de enxergar as dunas da costa branca ou até mesmo o oceano atlântico a 80 km de distância ao norte. O pesquisador potiguar Lenine Pinto defende, em seu livro "Reinvenção do Descobrimento", a ousada tese de que o Brasil na verdade teria sido descoberto em Touros, onde há o marco, e que o Monte Pascoal avistado pela frota de Pedro Alvares Cabral seria o próprio Pico do Cabugi. Para defendê-la, Lenine usa como argumentos o curto tempo de travessia de Cabral desde Cabo Verde até o território brasileiro e o próprio marco de Touros, considerado o monumento mais antigo do Brasil.

Um dos primeiros registros sobre o pico foi o de Nestor Lima, na Revista do Instituto Histórico-Geográfico do Rio Grande do Norte - Vols. XXV-XXVI, anos 1928-1929, no qual ele escreve (extraído do livro Angicos, de Aluizio Alves):

No inverno de 1921, pude observar o curioso fenômeno das nuvens, cheias de humidade, cortarem o pico do Cabugi, de modo a ser visto além das nuvens baixas.

O acesso não é muito fácil; mas, é possível; alguns engenheiros da Central foram até lá. Dizem mesmo que, anos atrás, foi montado ali um poste e uma bandeira que os ventos derrubaram.

No tempo da guerra européia, correu um boato de que, no alto do Cabugi, fora colocado um posto de telegrafia sem fios para se comunicarem os alemães residentes no Estado com os navios ou submarinos desta nacionalidade, que passassem ao longo da costa. A averiguação das autoridades locais desmentiu o boato, que alarmou o então Capitão do Porto, comte. Emanuel Braga.

O pico do Cabugi é também divisado do alto-mar pelos pescadores das nossas costas que fazem dele o seu rumo durante o dia.

É um belo panorama o que se aprecia das cercanias desse pináculo, verdadeira obra-prima da nossa orografia.
Do ponto de vista econômico, o Pico do Cabugi constitui uma oportunidade fabulosa para ecoturismo e geoturismo, ainda muito pouco explorada. São necessários esforços maiores ainda para a preservação deste tesouro natural de nosso estado.

Fontes:

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