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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Conexões de Saberes: conectando visões de mundo


O Programa Conexões de Saberes é uma política pública do governo federal implementada em 2010 na UFERSA por meio da Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC), e integra uma rede de 33 instituições federais de ensino, objetivando possibilitar o acesso e a permanência de estudantes de origem popular na universidade e seu protagonismo, no contexto de discussões acerca de medidas para o exercício do direito à igualdade, tendo como eixo central o fortalecimento da pauta de ações afirmativas.

Em primeira edição na UFERSA em Angicos, o programa executa ações sob a coordenação geral da Profª. MSc. Ady Canário e conta com uma coordenadora adjunta, Profa. Dra. Rita Diana. Equipe de formadores(as): Prof. Dr. Carmelindo Rodrigues, Profa. Dra. Alessandra Carla, Profa. Dra. Roselene Alcântara, Profa. Dra. Maria das Neves, Prof. Dr. Marcos Peres, Profa. Esp. Goretti Filgueira, Profa. Dra. Jesane Lucena e a Assistente Social Lúcia Sousa. Também com o apoio de Profa. MSc. Ana Gabriela, Profa. MSc. Cynara Ribeiro e Prof. MSc. Marcos Vinícius. Tem parceria com 10 instituições e beneficia 53 estudantes da graduação, (sendo 25 bolsistas de Angicos e 25 bolsistas de Mossoró, além de 03 voluntários e colaboradores eventuais), também 70 estudantes do Pré-Universitário, de escolas públicas, sendo 35 da Escola Estadual Francisco Veras em Angicos e 35 da Escola Estadual Aída Ramalho em Mossoró, sob a coordenação do Prof. Dr. Eder Jofre e da Profa. Dra. Auristela Crisanto, respectivamente.

Os estudantes Conexistas recebem formação continuada e, simultaneamente, atuam em atividades de Extensão, Formação, Estudos e Pesquisas visando o diálogo entre a universidade e as comunidades dos territórios populares selecionados.

(Texto da profª. Ady Canário)

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Antônio em Angicos


Por ocasião da Semana do Livro e da Biblioteca, na quarta-feira, dia 27 de Outubro de 2010, os estudantes, professores, funcionários e colaboradores do campus da UFERSA em Angicos foram contemplados com a poesia do grande cordelista mossoroense Antônio Francisco.

Quem antecedeu o poeta foi a professora do Departamento de Agrotecnologia e Ciências Sociais da UFERSA em Mossoró, Ludimilla Carvalho, que agraciou a platéia com a palestra Avaliação de Impactos Ambientais: Impasses e Desafios numa Visão Interdisciplinar, a qual alertava para a importância da junção de conhecimentos de distintas áreas para a correta compreensão dos impactos ambientais infringidos pelo homem. Ludimilla é autora do livro O Olhar da Águia para o Rosado da Caatinga, do qual gentilmente sorteou 30 exemplares para os presentes ao evento.

Continuando a temática ambiental de Ludimilla, Antônio Francisco declamou seus poemas sobre as agressões do ser humano ao meio ambiente. Antônio é poeta popular, cordelista, xilógrafo e compositor, graduado em História pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN. É membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel - ABLC, ocupando a cadeira do ilustre poeta Patativa do Assaré.

Foto: Eduardo Mendonça - Assessoria de Comunicação da UFERSA

Os poemas de Antônio têm uma visão naturalista, estendendo a compaixão e preocupação aos demais seres vivos, mas como uma preocupação com a sobrevivência da nossa própria espécie. Seus versos nos fazem rir e refletir, como se estivéssemos a olhar de fora a pilhagem que todos nós executamos em nosso próprio planeta, como um vírus desconhecido e imprevisto a atacar um organismo.

Um exemplo está em seu poema Os animais têm razão, fazendo parte do seu livro Dez cordéis num cordel só, um dos que declamou, falando sobre um suposto debate entre animais acerca do mal que representa o homem, do qual cito algumas estrofes:

Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.

(... versos sobre a reunião dos animais)

Quando o dia amanheceu,
Eu desci do meu poleiro.
Procurei os animais,
Não vi mais nem o roteiro,
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro.

Eu disse olhando as pegadas:
Se essa reunião
Tivesse sido por nós,
Estava coberto o chão
De piubas de cigarros,
Guardanapo e papelão

Você pode escutar Antônio Francisco recitando este poema neste link da Rádio Nominuto.


domingo, 24 de outubro de 2010

Paulo Freire, cidadão do mundo e de Angicos

Paulo Freire, cidadão do mundo, amava a educação simplesmente como reflexo do seu amor pelas pessoas. "É porque amo as pessoas e amo o mundo, que eu brigo para que a justiça social se implante antes da caridade" disse uma vez ele. Suas sementes germinaram e deram frutos nesta região do semi-árido, em um tipo de terra que ele tanto cultivou e que considerava a mais fértil do mundo: a mente das pessoas.

Os vídeos abaixo são trechos do documentário de Toni Venturi de 2007 "Paulo Freire Contemporâneo", com a participação do ex-secretário de educação do RN, Marcos Guerra, e de moradores de Angicos. O vídeo completo está disponível, gratuitamente, em http://www.dominiopublico.gov.br.


Pico do Cabugi: um passado bem agitado


Uma paisagem marcante para quem viaja pela BR 304 é proporcionada por uma figura bem conhecida dos potiguares. Durante o dia, um espetáculo visual cortando o céu da caatinga. À noite, uma sombria silhueta que assusta nossos olhares. Uma belíssima estrutura natural, testemunha de um passado em que os humanos sequer existiam.

Foto: Canindé Soares - www.canindesoares.com

O Pico do Cabugi (a grafia correta seria Cabuji, em virtude de se usar jota, por convenção, para palavras oriundas do tupi), com cerca de 500 metros de altura acima da planície, localizado no terrítório do município de Angicos, faz parte do Parque Ecológico Estadual do Cabugi, uma área de proteção ambiental. Seu cume é um dos pontos mais altos do Rio Grande do Norte (existem pontos de maior altitude na Serra de São José e Serra do Martins, por exemplo). O nome Cabugi quer dizer "peito de moça" em tupi, nome cunhado pelos indígenas por causa do formato do monte.

O pico é considerado o único vulcão extinto do Brasil continental que preserva sua forma original.

Isto mesmo, o grande monstro que vislumbramos entre os municípios de Angicos e Lajes já foi uma grande chaminé de lava!

Modelo tridimensional do Pico do Cabugi disponível no Google Earth

A estrutura cônica mais proeminente é descrita pelos geólogos como um neck, ou pescoço vulcânico. Constituída de basalto, ela é resultado da solidificação do material que preenchia o conduto vulcânico, o qual ligava a superfície a uma camâra a mais de 60km de profundidade repleta de magma, a temperaturas superiores a 1000 graus centígrados e a pressões inimagináveis. O magma é o material pastoso super quente que, ao ser expelido de um vulcão, passa a ser chamado de lava, e dá origem a rochas após sua solidificação.

Dá até pra imaginar uma cena parecida, em menor escala, com aquelas que vemos na TV, quando ocorrem erupções em vulcões das ilhas do Pacífico.

O pico preserva bem o formato de vulcão por ser resultado de atividade de magmatismo "recente" - aproximadamente 20 milhões de anos atrás - considerada a mais jovem do Brasil. Comparada, por exemplo, à época de extinção dos dinossauros, há 66 milhões de anos, é bem recente. Mas, quando comparado ao surgimento dos primeiros hominídeos - em torno de 3 milhões de anos atrás - dá pra chamá-lo de antigo.

O período em que o vulcão esteve ativo é chamado de Miocênico. Àquela época, os continentes já apresentavam praticamente seus formatos atuais. A África, devido à deriva continental, estava bem mais próxima da América do Sul, e esta ainda não estava ligada à América do Norte por meio do Panamá. Aliás, a formação do vulcão pode ser resultado deste movimento de afastamento entre as placas da América do Sul e da África, como uma forma de reajuste interno da placa sulamericana. A flora já começava a ser parecida com a atual, com a proliferação de plantas gramíneas. A caatinga não existia como a conhecemos, um bioma com identidade. Nosso território potiguar era recoberto por uma grande floresta tropical irrigada por grandes rios, como a que hoje é identificada como Amazônia. A fauna era diferente - se tivéssemos a oportunidade de vislumbrar cenas da época, veríamos ruminantes grandes e estranhos, ou animais bem exóticos pairando pelas paisagens brasileiras, como os jacarés gigantes com 20 metros de comprimento à beira dos rios mais próximos à Amazônia, ou as assustadoras aves bípedes carnívoras de 2 metros de altura que lembrariam os raptores de Parque dos Dinossauros.

O pico devia despertar o imaginário dos primeiros humanos que chegaram ao território potiguar há alguns poucos milhares de anos. Quem sabe até tenha sido protagonista de lendas e religiões dos nossos antigos habitantes.

Quem tem a oportunidade de escalar o Pico do Cabugi e atingir seu cume é capaz de enxergar as dunas da costa branca ou até mesmo o oceano atlântico a 80 km de distância ao norte. O pesquisador potiguar Lenine Pinto defende, em seu livro "Reinvenção do Descobrimento", a ousada tese de que o Brasil na verdade teria sido descoberto em Touros, onde há o marco, e que o Monte Pascoal avistado pela frota de Pedro Alvares Cabral seria o próprio Pico do Cabugi. Para defendê-la, Lenine usa como argumentos o curto tempo de travessia de Cabral desde Cabo Verde até o território brasileiro e o próprio marco de Touros, considerado o monumento mais antigo do Brasil.

Um dos primeiros registros sobre o pico foi o de Nestor Lima, na Revista do Instituto Histórico-Geográfico do Rio Grande do Norte - Vols. XXV-XXVI, anos 1928-1929, no qual ele escreve (extraído do livro Angicos, de Aluizio Alves):

No inverno de 1921, pude observar o curioso fenômeno das nuvens, cheias de humidade, cortarem o pico do Cabugi, de modo a ser visto além das nuvens baixas.

O acesso não é muito fácil; mas, é possível; alguns engenheiros da Central foram até lá. Dizem mesmo que, anos atrás, foi montado ali um poste e uma bandeira que os ventos derrubaram.

No tempo da guerra européia, correu um boato de que, no alto do Cabugi, fora colocado um posto de telegrafia sem fios para se comunicarem os alemães residentes no Estado com os navios ou submarinos desta nacionalidade, que passassem ao longo da costa. A averiguação das autoridades locais desmentiu o boato, que alarmou o então Capitão do Porto, comte. Emanuel Braga.

O pico do Cabugi é também divisado do alto-mar pelos pescadores das nossas costas que fazem dele o seu rumo durante o dia.

É um belo panorama o que se aprecia das cercanias desse pináculo, verdadeira obra-prima da nossa orografia.
Do ponto de vista econômico, o Pico do Cabugi constitui uma oportunidade fabulosa para ecoturismo e geoturismo, ainda muito pouco explorada. São necessários esforços maiores ainda para a preservação deste tesouro natural de nosso estado.

Fontes:

Retorno a Angicos

"Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora."

Paulo Freire na visita à Escola Estadual José Rufino, Angicos, 1993
Foto: Arquivo do Instituto Paulo Freire

Paulo Freire iria retornar a Angicos em 1993, ocasião na qual recebeu o título de cidadão honorário desta cidade. Esta última visita foi documentada por Eliane Sonderman, jornalista da Fundação Roberto Marinho (extraído do texto "A voz do biógrafo brasileiro - A prática à altura do sonho" de Moacir Gadotti):
Estavam quase todos lá: ex-alunos, ex-monitores, educadores e autoridades. Dia 28 de agosto de 1993, após 30 anos de solidão imposta, Angicos recebia a visita de Paulo Freire. Na mesma sala onde todos se reuniram em 1963 com o Presidente João Goulart - para a formatura de 300 alunos alfabetizados em 40 dias por seu revolucionário método de ensino -, o mestre pôde conversar com muitos dos ex-alunos, vários já aposentados, alguns bem idosos. Durante a visita, ele declarou à cidade - que lhe concedeu o título de cidadão honorário: "Em nenhum lugar do mundo onde estive fiquei mais tocado do que aqui e agora."

Paulo Freire voltou a Angicos para um percurso sentimental pelos principais lugares onde aconteciam as aulas e reuniões do movimento de alfabetização. Estavam presentes oito dos 21 monitores de 1963 - entre os quais, o então secretário de Educação do Estado do Rio Grande do Norte, Marcos Guerra. Alguns contaram que foram presos e passaram por outras dificuldades depois da experiência de Angicos, considerada subversiva e mais tarde, cancelada.

Muitos ex-alunos também deram seu testemunho, como Manuel Bezerra, hoje com 65 anos, que lembrou do dia em que o governador Aluizio Alves e dois ordenaças foram assistir a uma aula. Ou como seu Antonio, que em 1963 ficou famoso porque fez um discurso ao presidente João Goulart. Aos 81 anos, ele contou que só aprendeu a assinar o nome - não pôde continuar estudando ocupado com a agricultura. Mas disse que depois das "19 bocas de noite" com a professora Valdinece, de Natal (na época estudante de Letras, hoje professora da Escola Técnica e presente à visita do mestre), sua vida mudou: passou a fazer contas no papel e já pôde votar nas eleições posteriores. Também contaram histórias, como Severino e sua filha Neide, 36 anos, professora da escola pública que aos 6 anos foi alfabetizada junto com os pais, aos quais ajudava a estudar quando os três chegavam em casa. Neide disse que a experiência influcienciou sua escolha profissional e, aos 16 anos, já dava aula no Mobral.

Numa das últimas etapas do passeio pela cidade, a Escola José Rufino, local da famosa aula de João Goulart, alguns ex-alunos quiseram saber por que a experiência não continuou. "Por que o senhor foi preso?" perguntou a Paulo Freire a ex-aluna Idália Marrocos. A verdade é que os alunos nunca tinham entendido a interrupção dos contatos com os monitores, pouco tempo depois do fim do curso. Seu Severino contou que até foi a Natal procurar sua professora, Walkíria, para perguntar o que estava acontecendo. Mas voltou para casa no mesmo dia, depois que Lea respondeu: "Não fale mais no assunto, Esqueça isso".

sábado, 16 de outubro de 2010

As 40 Horas de Angicos


No início de 1963, Angicos foi palco de uma experiência que viria a frutificar ideias famosas em todo o mundo, arquitetada por uma das figuras mais marcantes da história da educação brasileira: Paulo Freire. "As 40 horas de Angicos" é como ficou conhecida esta experiência, que teve a ousada pretensão de alfabetizar adultos em apenas 40 horas, lançando mão do chamado método Paulo Freire.

Paulo Freire. Foto: Arquivo do Instituto Paulo Freire

Naquela época, Angicos possuía a assustadora taxa de analfabetismo de 75%!

Aula de alfabetização em Angicos, 1963.
Foto: Arquivo do Instituto Paulo Freire

O método continha em seu cerne o uso de palavras que faziam parte do universo vocabular do alfabetizando. Desta forma, o processo de apreensão do significado e estrutura fonética das palavras seria acelerado. Slides de projeção eram usados para exibir ilustrações relacionadas às palavras. Após o aprendizado das palavras, promovia-se o chamado círculo de cultura, no qual procurava-se discutir o significado do novo vocabulário na realidade social do aluno. Não parava por aí: o método pretendia em sua fase final despertar uma maior consciência e postura mais crítica do indivíduo com relação ao mundo.

Slide usado na experiência de Angicos. Fonte: http://forumeja.org.br/book

Slide usado na experiência de Angicos. Fonte: http://forumeja.org.br/book

As pretensões da experiência despertaram a curiosidade de acadêmicos e da mídia. A iniciativa recebeu apoio do governo do estado e captou recursos da SUDENE e da USAID, uma agência americana criada por John F. Kennedy para financiar programas assistenciais. A repercussão foi tamanha que estiveram presentes em Angicos jornalistas dos principais veículos do Brasil e do mundo. O próprio presidente do Brasil na época, João Goulart, e o então governador do nosso estado, Aluízio Alves, participaram no encerramento das atividades do programa.

Abril de 1963: Paulo Freire fala ao presidente e a políticos da região. Sentados, da esquerda para a direita: Miguel Arraes, Clóvis Mota, Seixas Dória, Virgílio Távora, Aluísio Alves e João Goulart.

A experiência conseguiu realizar o que propôs: alfabetizou 300 pessoas em 40 horas. O sucesso da experiência fez com que o governo de Goulart implantasse o Plano Nacional de Alfabetização, para aplicar o metódo de Paulo Freire, criando 20 mil "círculos de cultura" pelo país, visando alfabetizar milhões de pessoas.

O programa foi interrompido após o golpe militar de 1964. Os que trabalharam na experiência tiveram de silenciar. Paulo Freire foi chamado de "subversivo e ignorante" pelo regime militar, sendo preso e depois exilado.

Nos vídeos abaixo, criados pelo Serviço Cooperativo de Educação do Rio Grande do Norte - SECERN, em 1963, é mostrado o trabalho dos estudantes monitores em Angicos.